A presença dos grupos religiosos no Exército Brasileiro
A trajetória de formação do oficial combatente do Exército Brasileiro é longa e cheia de desafios. No primeiro ano de formação, os alunos estudam na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, localizada em Campinas, interior de São Paulo. Após concluírem o primeiro ano na EsPCEx, os futuros oficiais deverão passar os quatro anos restantes da formação na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em Resende – RJ.
Nesta trajetória, os grupos religiosos evangélico, espírita e católico se fazem presentes no cotidiano de diversos militares, promovendo o estudo do evangelho dentro dos quartéis brasileiros. Diante da nova realidade – marcada por um período de adaptação intenso e muitas vezes distante dos familiares – os alunos e cadetes do Exército encontram, na religião, uma forma de aprimorar a própria resiliência e se fortalecerem frente às dificuldades. Vale ressaltar que todas as participações nos grupos religiosos são feitas de forma voluntária pelos militares, seguindo o princípio da liberdade de culto.
“A religião traz certo conforto. O próprio indivíduo cria ou tem certa expectativa em relação a Deus, sela ela qual for, de ter uma paz, uma tranquilidade, um equilíbrio. O [aluno] vem de outra cidade, às vezes vem de outra realidade socioeconômica. A religião é um fator de manutenção da sua zona de conforto e da sua paz” afirma o sociólogo e professor da UERJ Claudio de Carvalho Silveira.
O primeiro contato com os grupos religiosos também acontece na Escola Preparatória – estão presentes a Cruzada dos Militares Espíritas (CME), a União Católica dos Militares (UCM) e o Núcleo dos Alunos Evangélicos (NAE). Segundo o Tenente Coronel Ubaldo Reis Junior, colaborador do grupo espírita desde 2007, toda a organização é feita de modo voluntário, entre os instrutores e alunos. Para ele, o estudo do Evangelho contribui positivamente para a formação do militar. “O estudo do Evangelho, de qualquer fonte que se ligue a Deus, é fundamental para que a pessoa não perca o rumo. É muito fácil dada a quantidade de atividades que tem aqui, o sujeito acreditar que a coisa não vai andar. Então ele tem que ter fé para seguir na carreira, porque tem muitas atividades aqui que deixam o sujeito sem chão, e a fé é fundamental para que este chão seja estabelecido rapidamente”, afirma.
Ainda de acordo com o sociólogo Claudio de Carvalho Silveira, a profissão militar é uma profissão que, em última instância, lida com a morte. “No linear desta profissão, a questão da religião é muito importante porque é a última possibilidade de você pensar alguma esperança da condição humana. É claro que existem militares que não tem religião nenhuma, e isso também é relevante para levar em consideração”, ressalta.
O aprendizado adquirido nos estudos vai além dos cultos – todo conhecimento é levado e aproveitado nos momentos mais difíceis. “Houve um episódio no ano de 2015, quando eles foram para a Operação Cadete e um deles levou o evangelho de bolso. Eles faziam aquele estudo na barraca, com uma lanterna de LED, e aquilo ali fez toda a diferença. Isso ajuda muita na aceitação de que as provas que são colocadas para serem vencidas e que elas fazem parte da aprendizagem” recorda Ubaldo.
Além das atividades promovidas dentro da comunidade militar, os grupos religiosos organizam ações cívico-sociais, possibilitando que o futuro combatente conheça instituições e ONGs que trabalham com questões sociais. “Uma das atividades que realizamos esse ano, por exemplo, foi a de receber nesta Escola aproximadamente 70 crianças carentes de até 16 anos com seus monitores oriundas de dois projetos sociais na cidade de Campinas. O planejamento da atividade, bem como a preocupação com a segurança e a montagem das oficinas ficaram todas a cargo dos alunos, uma experiência que eles retrataram como abençoada e inesquecível”, afirma o Tenente Thiago Souza Ferreira, orientador do Núcleo dos Alunos Evangélicos.
Na Academia Militar das Agulhas Negras, os estudos do Evangelho e as celebrações religiosas também são realizados. O Cadete Juan Carlo Assis Coelho, membro da Associação dos Cadetes Evangélicos, afirma que o engajamento religioso fez com que ele valorizasse diversos aspectos inerentes à vida militar. “As atividades fizeram com que eu valorizasse a comunhão entre amigos, a ter responsabilidade em diversas situações simples da vida, a ter equilíbrio emocional, empatia e sabedoria em lidar com as situações”, comenta.
“É possível ao aluno em adaptação enxergar na agremiação religiosa, a família eclesiástica que ele deixou na sua cidade” afirma o Cadete Lucas Henrique Feitosa de Mattos, Presidente da União Católica dos Militares do núcleo da AMAN.
As atividades religiosas não se limitam ao âmago da formação acadêmica – no Exército Brasileiro, existem os Capelães Militares, presentes em diversas organizações do país, prestando assistência espiritual, realizando celebrações de cultos, aconselhamento pastoral, entre outros serviços.
O Capelão Evangélico Emerson Couto Profírio, do 4º Batalhão de Infantaria de Selva, acredita que para prestar uma boa assistência religiosa, é preciso saber trabalhar com todos os credos e respeitá-los. Profírio relembra o momento mais marcante que vivenciou como Capelão do Exército. “Quem lida com gente sempre viverá momentos marcantes. Cada nova história é única. Cada sofrimento é tratado como algo especial. Cada vitória pessoal é celebrada como se fosse a minha própria vitória. Por ser a primeira Organização Militar na qual sirvo, ainda muito inexperiente quanto à vida na caserna, a gente chega meio sem jeito, mas o apoio do comando e de todos os militares do batalhão nos faz sentir realmente o que é camaradagem. Esta acolhida certamente se tornou um padrão que levarei pelo resto da minha carreira”, conclui.